Nova fase da COVID-19 pede atenção redobrada aos pacientes com doenças crônicas e não vacinados
Com cerca de 80% da população brasileira vacinada contra a covid-19, a pandemia entrou em uma nova fase. Segundo o virologista Fernando Spilki, o foco dos esforços em saúde pública e também individuais devem se concentrar nos grupos de pacientes mais suscetíveis a contrair as formas mais graves da doença.
São eles: idosos, pacientes com doenças crônicas que causam imunodepressão (como diabetes, hipertensão de difícil controle e asma grave), enfermidades autoimunes (como a esclerose múltipla) e imunodeficiências primárias. Quem não se vacinou ou tem o esquema vacinal incompleto também corre mais riscos de ter a infecção agravada.
Nos idosos, o cuidado adicional se deve à durabilidade da proteção vacinal, que pode não ser tão longa. “Alguns meses depois de se vacinarem, eles já estariam suscetíveis novamente a contrair uma forma grave da doença”, explica Spilki, que é professor da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul.
O risco de a covid-19 evoluir para um caso severo varia de acordo com a idade e o tipo de comorbidade do paciente. O vírus “dribla” a imunidade proporcionada pela vacina através das mutações, principalmente no organismo de quem está com o seu sistema de proteção mais frágil.
No caso de pacientes com doenças crônicas que causam imunodepressão, como o diabetes e o HIV, a perda na capacidade imunológica acelera a multiplicação do coronavírus no organismo. “Nesses indivíduos, o vírus pode gerar mais mutações do que em uma pessoa saudável. Ele se replica abundantemente”, explica o especialista.
Por isso, completar o esquema vacinal é mais importante aí. “Existem variações de resposta, como em qualquer vacina, mas até pessoas com imunodeficiências ficam tão protegidas como a população em geral após as doses de reforço”, pondera Spilki.
De acordo com o virologista, é essencial impedir que o vírus chegue até os grupos mais suscetíveis. Isso só é possível a partir de um mapeamento e acompanhamento dessas pessoas, o que não é feito hoje. “Não significa que devemos isolá-las da sociedade, e, sim, orientá-las para que tenham uma vida normal com cuidados extras, como o uso de máscaras”, diz Spilki.
A fase atual da pandemia
Na primeira semana de outubro, a média móvel de mortes diárias pela doença foi de 92 no país, 90% a menos do que a de 951 mortes diárias do último pico, ocorrido em fevereiro de 2022. Apesar da queda, os números ainda preocupam. “Em um período de 15 a 20 dias, podemos ter um número de óbitos equivalente às mortes causadas por gripe em um ano inteiro”, compara Spilki. “A situação não está estabilizada em um nível considerado aceitável. Estamos um pouco longe disso”, avalia.
Para garantir que a pandemia seja efetivamente controlada nessa fase, o isolamento segue recomendado. Quem está com covid-19 deve ficar longe de outras pessoas por, pelo menos, 10 a 14 dias. Essa recomendação é a mesma desde antes da chegada das vacinas. Conforme Spilki, o isolamento de apenas sete dias indicado pelo Ministério da Saúde em janeiro não tem embasamento científico.
Para aqueles que não podem cumprir todo o período de quarentena, o especialista sugere adotar o uso de máscaras ao sair de casa. “Com essas medidas, o vírus não vai adiante”, afirma.
O monitoramento de casos ativos é outra estratégia eficaz para o controle da doença que foi abandonado pelo governo federal e pelos estados. “Deveríamos continuar os esforços para saber o número real de casos e olhar para as cadeias de transmissão”, avalia.
O Brasil também está atrasado na adoção de terapias de combate à doença. Hoje, existem antivirais comprovadamente eficazes já sendo usados fora do país – eles inibem principalmente a replicação do vírus e a sua entrada na célula.
Há também os anticorpos monoclonais. São medicamentos biológicos feitos em laboratório e que são capazes de bloquear principalmente a replicação do vírus no organismo, oferecendo proteção principalmente contra as formas mais graves da doença.
Spilki defende que esses tratamentos seriam ferramentas importantes tanto para os pacientes crônicos quanto para a população em geral, mas ainda não estão disponíveis no Brasil. “Alguns medicamentos até estão liberados, mas parece não haver um interesse na sua aquisição e distribuição. Isso é preocupante”, lamenta.
A falta de vontade política do governo atual contrasta, segundo Spilki, com a capacidade técnica de servidores dos governos de controlar a pandemia. “O que não falta é gente competente para tocar programas de proteção desse tipo, de maneira que a gente possa conviver cada vez melhor com esse desafio”, conclui o virologista.